Archive for the ‘Uncategorized’ Category

‘Klara e o Sol’- uma premonição sinistra ou o fim do ‘Humano’

Maio 6, 2021

Com precedência de  meses, foi  saudado  com  uma orquestração  concertada, altamente laudatória, nos grandes órgãos da imprensa anglo-saxónica (New York Times,The   Atlantic , The Guardian etc. ) o  livro ‘Klara e o Sol’ do escritor britânico de origem japonesa, Kazuo Ishiguro.

No auge do seu poderio colonial, o Reino Unido dominou meio-mundo e deixa uma herança cultural ímpar: a língua inglesa que agora é língua franca à esfera planetária. Com subtileza, a Inglaterra levou para a ribalta, no campo de letras e humanidades, escritores doutras raças que se serviram do idioma inglês  para  maior divulgação dos seua textos. Eles tornaram-se depois  nomes sonantes e cito  a título de exemplo: Tagore (R. Takkur), Radhakrishna, Naipaul, Wole Soyinka, nigeriano. No caso vertente, o japonês Ishiguro é   uma singulariade esquisita.  Nascido em 1954 em Nagasaki (Japão), veio com os pais para Inglaterra quando tinha 5 anos. Aqui se radicou, cresceu e fez os estudos superiores  tendo  apenas ido de visita passageira à  sua terra natal passados 30 anos.

Num entrevista ele afirmou: ‘Eu não sou inteiramente  inglês  porque fui criado pelos meus pais japoneses falando japonês em casa. … (mas) tenho um ‘background’ distinto. Penso de modo diferente, as minhas perspectivas são um tanto diferentes’.   Em 2017  Ishiguro foi galardoado com o Prémio Nobel de Literatura e a citação diz  : ‘por ter retirado (=   ’uncovered’) um pouco do  véu  ao abismo  por detrás do nosso ilusório senso de conectividade  com  o mundo’.  Julgo que esta perspectiva  teimosamente persistente, já  revelada  na novela   ‘Never Let Me Go’ (2005) e outros escritos,   ressurge agora no módulo idêntico  de ficção científica distópica.   ‘Never…’ é  um mundo fechado de ‘clones’ e a narrativa, em primeira pessoa, parte    de um elemento do trio de  ´clones’ (Khati)  bem consciente de  que o seu fim e doutros clones está  iminente. Em ‘Klara e o Sol’ a narradora,  também em primeira pessoa, é um androide denominado  AF (‘Artificial Friend’). ‘Klara…’ em  figurino,  traz-me à memória o  embrião-chimera (parte mumano, parte outra espécie ,  recentemente criado num Laboratório de China pelos cientistas. No embrião deste tipo apenas 1 célula humana, em cem mil,  vinga. E mesmo assim, é  pouco  claro qual o contributo da célula humana para o desenvovimento daquele organismo criado no laboratório chinês. Para o leitor pouco familiarizado com a ficção científica acho bem apresentar  a moldura onde  se desenrola a acção da novela de Ishigura.  Esta moldura encontra-se  desgarrada, não é linear ,fragmentada em pedaços da memória de ‘Klara’, uma boneca androide, tamanho natural para uma ‘teen-ager’ de treze  anos.  No início da compra  o ‘manager’ do armazem  quisera  impingir o modelo mais aperfeiçoado de AF (B3), mas  houve  uma atração misteriosa de Josie ( menina pálida) por Klara  (AF-B2).

Klara is packed and sent to Josie’s house’ – a partir deste momento começa a narração algo  linear pela voz de Klara. O cenário onde se desenrola esta ‘estória’ surrealista é  algures na Amércia, num futuro não muito distante.Um sítio campestre, ermo, com  casas dos amigos de Josie  localizadas  a   quilómetros de distância e  convívio  nulo.   Esta Amérca está rigidamente estratificada. Por um lado uma sociedade  endinheirada que se  serve para os trabalhos de rotina  unicamente de ‘robots’, e por outro lado uma camada de operários descartados por causa dos  ‘robots’, a  viverem em  solidão e angústia. Há Universidades para  élite para as quais  podem candidatar-se apenas  alunos com alto quociente de inteligência. Por isso, os pais das famílias ricas, para garantir o futuro  dos  filhos, procuram educá-los não em escolas  convencionais, mas em suas casas , recorrendo a um processo chamado ‘lifting’.  É um processo pelo qual aquelas crianças  são ensinadas  via smarthphones e deste modo são geneticamente modificadas (ou ‘lifted’). Ou melhor, para me servir das palavras de um crítico: ‘lifting’ é um termo à Pangloss para designar edição genética, feita para aumentar o grau de inteligência ou ao menos para melhorar a performance académica’. Quem comanda a operação não fica bem claro. Mas certo é que o processo de ‘lifting’ envolve potencial de  alto  risco para a saúde da criança. Não descobri este detalhe   na retórica das  ‘book-reviews’ que passaram por mim,  com exepção de  uma onde alude a um eventual acto cirúrgico (talvez na face).

A mãe de Josie, mulher problemática , fundamente  egoísta, já perdera a sua filha mais velha,  precisamente devido às consequências do ‘lifting’ a que a jovem fora submetida. Encontrou o substituto  na filha mais nova, Josie.  Mas muito em  breve esta  jóvem  daria  sinais de que algo não corria  bem com a saúde. É nesta altura que a mãe ‘tarada’ de Josie leva a filha para o tal armazém para comprar aquela boneca androide, para fazer  companhia à  filha. Estas bonecas são no aspecto exterior semelhantes ao ser natural. Não se alimentam, porque são androides. A sua energia é unicamente derivada do Sol,  dos raios solares.   Falam, atúam, reagem a modo humano, mas até um certo limite porque  a  programação ainda não chegou aí.A ‘sensibilidade’ de ‘Klara…’ por exemplo, ainda não atingiu o grau do ‘humano’. Mas o poder de ‘observação’ de’Klara’  e a axpansão da análise  é espantosa. De quando em quando os ‘lifted’ têm uma reunião periódica para acertar os progressos de alta aprendizagem via smartphones’ dos ‘tutors’ que se revezam. Isto ocorre em casa de Josie, com ‘Klara’ e Rickie pesentes. Este Rickie é o único verdadeiro e leal  amigo de Josie. É um ‘barra’ em construir ‘drones’ e muito inteligente mas infelizmente não pode  entrar nas tais Universidades de élite porque não é lifted. A sua família também é problemática.  Acontece que neste convívio (dos ‘lifted’, com anormal sexo  à mistura) os convidados lifted começam a gozar (‘bullying) o coitado do Rickie, bem como a androide ‘Klara’. Klara rememora tempos, depois deste episódio, com secura e melancolia. Não denota  sentimento algum  (‘zero-feeling’) de ter sido gozada. É prova de como o ‘feeling’ de ‘Klara’ ainda não atingira o ‘humano’.

Estando ‘Klara’ em casa de Josie a fazer-lhe companhia com extrema dedicação, a mãe de Josie pede a Klara que a acompanhe para ver uma ‘cascata’ num parque. Diz que  Josie pode ficar em  casa sozinha porque está muito fraca…  Klara acede, a contragosto, e foi nesta ocasião  que ‘Klara’ ( que intuíra o problema de Josie), encara o Sol e pede-lhe que cure Josie em  troca da sua própria  vida. Josie ‘outgrows’ e ‘Klara’ é recambiada para o ‘store’. Ela relembra que o Sol foi muito bom para ela. ‘Klara’ relaciona o que Josie uma vez em conversa lhe dissera: que o AF ( ‘Artificial Friend’) é diferente,  que ela (josie) e Rickie, seu leal amigo, vão ficar juntos para sempre.

Julgo que é altura para eu fazer algumas observações à volta desta narrativa surrealista. É verdade que a ficção científica pode lançar novas fundações, que pode implicar que os tradicionais cânones literários sejam arrasados. Ishiguro tem subliminares mensagens válidas. Tem também rervira-voltas quixotescas como aquela de Klara se dirigir ao Sol numa súplica de oração. A (AI = Inteligência artificial) robotizando um sector da sociedade vai criando um hiato de desigualdade atroz e estados de solidão e agústia. Isto pode acontecer também na chamada élite ‘lifted’, com a agravante de, nesta camada, já se esboçar o surto de competição entre os ‘lifted’ mesmo.

‘O ‘feeling’ de ‘Klara’ é ainda incipiente. Conseguirá a AI  replicar o atual ‘feeling’ humano e outras emoções, como o sentimento de beleza, amor…?   A AI , no seu passo veloz, recentemente invadiu já o campo sagrado da Vida. A engenharia molecular e a  experiência conseguida na China.  com o embrião humano (no Occidente está proibido), causa-nos uma apreensão sinistra e um arrepio. Como pôr o travão a isto e que consequências daí advirão ?

Não quero alongar-me mais. Fecho os olhos e abro um livro que trago à minha mesinha de cabeceira. Encontro lá uma ‘pagela’ (=um santinho), que eu comprara no Vaticano, na segunda metade do século passado, numa impressão ‘glossy’, muito linda : imagem de uma simples flor , talvez uma margarida que agora brotam nos terrenos. Como legenda, este verso do bardo místico Indiano: Tagore. Cito-a  de cor, no belo idioma, de  sonoridade estupenda , o italiano, que amo. Diz a legenda: ‘I tuoi secoli, Signore, succedono senza posa per rendere perfetto anche un piccolo fiore selvatico’.

‘Secoli per rendere perfetto…’ ? Agora,  a engenharia molecular em plena força pode  replicar aquela flor com a rapidez de quem carimba uma maço de cartas. O incidente traz à memória o episódio do Génesis:  de Adão, Eva e Serpente .

Haja Deus e Ele guie o porvir do Homem.

Maio de 2021

Leopoldo da Rocha

Até quando ? ( ou algumas ideias sobre a chamada ‘identidade dos Goeses’)

Fevereiro 20, 2021

Este título assim, avoca para os conhecedores dos clássicos latinos o famoso exórdio    de Cícero no  seu discurso  contra Catilina (1ª Catilinária). ‘Quousque tandem…’  Até quando ? – dissera o tribuno. Mas no meu texto que  segue, não há invetiva de espécie alguma, não se censura ninguém. Apenas passo a  refletir  sobre uma realidade  que diz respeito à chamada identidade goesa, realidade  que, para mim,  tomou vulto à medida que vou atingindo uma  idade bem avançada.

Muito se escreve sobre esta identidade e entre os escribas há   quem  pertença  a  gerações que tiveram contato direto ou indireto com Goa enquanto  colónia de Portugal. Os Goeses que mourejaram na diáspora:  na Europa, América e outros recantos do mundo estão, sentimental ou umbilicalmente  ligados à Goa. Vê-se o registo disto nos ternos obituàrios que aparecem nas redes sociais como Goan Voice . Leio por exemplo: faleceu fulano , ‘beloved husband of X (ex- Kenya), doting grandfather of Y (Australia)… .    Sentirão as  gerações novas   esta atração, ou Goa pouco ou  nada lhes diz ? No Reino Unido, as garações   lá nasciadas   e que vão crescendo, estão-se marimbando para a situação sócio-política e económica da terra dos seus antepassados. Eles esforçam-se é mas por  se afirmarem  ‘british’. Nos Estados Unidos e países da diáspora dos Goeses a situação é pior. Os Goeses sempre formaram comunidades  fortemente  coesas , àparte o  virus atávico da casta (entre eles próprios !) como amplamente regista a história dos clubes dos goeses  na Africa Oriental por exemplo. Os valores que eles haviam herdado  dos seus progenitores, no meio de  família cristã, prática religiosa e   moral inculcada pelo clero  , não encontram suporte  no ambiente dos E. U. que é um cocktail de  raças, religiões, etnias e culturas  diversas  e   liberais . Imaginemos um jóvem de pura cepa goesa cristã  que entra naquele país para prosseguir os seus estudos . Trava amizade com um colega americano   e este o convida para a festa que vai dar o seu pai. Este pai vai festejar o seu casamento com a segunda mulhar, depois de se ter divorciado da primeira, mãe do amigo americano. Curioso é que o estudante  americano  faz o convite ao seu colega goês  com uma naturalidade espantosa…Qual será a reação anímica  do jovem estudante goês ? Ora é nos E.U. que este tipo de goês há-de sentir-se solitário e identitariamente alienado. É    na América mais do  que em qualquer outra diáspora  que o Goês perde a sua identidade sócio-cultural e  abraça  uma outra, muito vaga – já o reconheceu Benegal Pereira,   filho do anti-colonialista , Eddie Pereira.

Se no meu tempo, após  a anexação ( e uns oito anos que se seguiram), o pôr-do -sol lusitano teve algum embate, foi, quando muito, em uma ou duas gerações. O futuro da comunidade goesa deve-se analizar a partir dos Goeses (hindús e cristãos) que  estão  e continuam a viver em Goa. Considero este elemento , o  ‘core-identity’ vital.

Reconheço que com a anexação de Goa e  consequente  abertura sua para a grande India, a pequena comunidade de Goeses que dantes estava insulada  que nem num forte , contra ventos (culturais) vindos da India vizinha, sentiu o abalo em várias frentes do campo  : administrativo, socio-cultural e evidentemente político. Aponto, a título de exemplo, a língua falada  : o concani. Já na altura esta língua começava a ser  expurgada pelos cultores deste idioma, dos termos desnecessários  do português que tinham invadido o seu léxico. Lembra-me que o douto editor do diário ‘A Vida’, Pedro Correia Afonso, escarnecia o palavreado clerical que recorria com  frequência nos púlpitos  a  expressões como ‘tó vortotá’ etc.

Relendo o ensaio ‘Identity, Exile and Literature in Goa’ do escritor marata Vishram Gupte  (a quem fiz referência em meus ‘posts’ anteriores), àparte a sua notória aversão à ‘singularidade dos Goeses’,  constato no capítulo  do seu ensaio ,‘Literature as a coping (sic) mechanism’, afirmações que merecem ser consideradas. Assim, as suas afirmações sobre as línguas vernáculas em Goa, como concani e marati, são dignas de atenção e reveladoras. Fica para já comprovado que o concani está a evoluir quer em ficção como em poesia a par da produção em língua marata. A diferença linguística é pois implicitamente reconhecida pelo escritor marata Gupte.

Pena é que os cristãos goeses tenham uma   quáse alergia à escrita devanagárica para o concani.Também tenho verificado, como outros meus conterrâneos, que os Goeses com cultura que venham  de Goa numa abordagem com os seus patrícios, teimam em falar em inglês e não em concani. Aqui haverá um complexo difícil de entendimento.

Goa já ganhou o estatuto todo a nível  político como Estado dentro da India. Mas o problema da identidade ainda fervilha.Há algo não satisfeito. Bem disse o citado escritor marata Vishram Gupte: “ O dilema da identidade goesa … foi lançado cinco séculos atrás quando os Portugueses puseram os pés no solo de Goa. Ele tem assombrado a casa-Goa desde então” (= ‘it has haunted Goa ever since’).

Leopoldo da Rocha

Sobre a singularidade da ‘diáspora Goesa’ – breve nota

Janeiro 27, 2021

Evelyn Waugh , escritor britânico, novelista de reconhecido mérito, no século passado, gozara  umas férias   em Goa em 1952  a convite,  discreto ,  do governo português. Também eu estava em Goa na altura e acompanhei as glosas que se faziam na imprensa  local ,algumas delas absolutamente ridículas, como esta de o moço do hotel adular  o ilustre hóspede e o seu familório ( seis filhos)  , dizendo que os seus livros eram muito lidos em Goa.

 Lidos ?  Waugh,  como novelista era um ilustre desconhecido em Goa. Lembra-me um finalista do Seminário de Rachol muito meu amigo  que tinha em pouco apreço  a literatura  portuguesa, mas   era muito ligado à inglesa. Ele mencionara para mim,lá  uns anos após a  Independência da India, o nome de Evelyn Waugh como integrando o ciclo literário nascente  do chamado ‘romance católico’.  Este sacerdote era  avis rara na órbita da cultura clerical de Goa  de então.

A menção de Evelyn Waugh vem aqui à baila   por causa  de uma  afirmação  que ele fez no diário  londrino Time (Mar. 24, 1954), após a sua estadia  em Goa. Escreveu  Waugh: ‘Deve-se notar que, onde quer que os Goeses se encontrem, quer na África ou India, eles formam comunidades orgulhosamente independentes e exclusivas’.

Julgo que  o contexto epocal que Waugh tinha na mente , remontava para  o  fim do século XIX e anos seguintes, quando os Goeses prestaram relevante serviço ao  Império colonial Britânico na África Oriental e deste modo, indiretamente, ajudaram aquelas colónias  agora   países independentes. Encontro   uma bela  prova para a afirmação de Waugh no seguinte ‘post’ de Tony de Sá  para Goa-Net   de Abr. 2020. O  ‘post’ intitula-se  : ‘ Goan Clubs – The view from Moshi ‘. Moshi fazia parte da  então  Tanganyka. No geito de Waugh,  também  Tony de Sá revisita Moshi .  Recorda Tony :  “Tínhamos um  Club chamado Associação Goesa. Fora no princípio uma construção de  madeira, no terreno doado (pelo município ou governo). Esta construção deu lugar a uma outra de pedra e cal. Um dia, um Hindú de Goa de nome Molu Desai,  que era originário de Cuncolim, entrou no Club para   solicitar  a sua inscrição como sócio do Club. A  Comissão de gestão do Club ficou com a cabeça à roda. Nunca ocorrera uma situação destas. Todos da nossa Comunidade trabalhavam na ilusão de que todos os Goeses eram católicos. Molu Desai foi aceite a contragosto (= was relunctantly granted membership). Mas Molu Desai tinha já o  cartão de sócio do ‘Hindhu Gymkhana’ onde ele se sentia mais à vontade. Molu Desai trabalhava para a   Polícia de Tanganyka’.”

Refiro um outro facto histórico que elucida, e bem, o exclusivismo dos goeses, como também a tendência deles para adoção,  à outrance, do figurino occidental nos eventos e celebrações  sociais. O local é Hubli situado numa área geográfica próxima de Goa, no atual estado de Karnataka. Em 1901 o governo britânico escolhera aquele sítio para ‘Railway Junction’, um Entroncamento, onde se cruzariam várias linhas férreas. Havia necessidade portanto de  instalação de oficinas para esta rêde. No recrutamento do pessoal, os Goeses e Anglo-Indianos levavam  preferência por serem proficientes  na língua inglesa. Entre os Goeses que para lá foram ,  quatro tiveram a ideia de criar uma associação para convívio . Era o passo usual da  génese dos Clubes Goeses que surgiram na India e diversos continentes do mundo. Os Anglo-Indianos em Hubli, tinham o seu Club. Os Goeses ostentavam deste maneira  a sua curiosa singularidade apesar de nenhum dos membros, mesmo no período de grande progresso, saber  um mínimo do  português. A decadência do Club de Hubli começou quando as novas gerações das famílias goesas lá radicadas, assim que tiveram  a instrução escolar ou universária abalaram para outras partes.  Se no período de maior progresso lá havia trezentas famílias goesas, em 2010 viviam lá dificilmente trinta. Um artigo no jornal Times of India (21 Dez. 2010) intitulava-se : ‘ Jingle-bells go silent at Goan Institute’. O artigo é da autoria de Vincent D’Souza. Se se tem presente que pela quadra do Natal toda aquela área vibrava de esfuziantre alegria para comemorar o Natal com eventos, jogos, danças e bailes,  compreende-se o patético espectáculo que aguardava   um nostálgico.

Segundo depreendo   dos relatos da escritora Selma Carvalho,os Goeses sentiam  orgulho,  no Kenia  e outras colónias da África Oriental,  em serem tratados com estatuto distinto, em relação aos Indianos. Não eram chamados ‘bloody  Indians’, ‘coolies’ , pelos colonizadores . As escolas fundadas pelos Goeses eram só para eles. Os Indianos por sua vez tinham as suas, consoante as etnias . Ainda no campo desportivo, os Indianos  formavam parelha  contra os Goeses (“The Gujratis and Punjabis pitted against Goans” (‘Diaspora’  por S. Carvalho, p. 97).

A migração dos Indianos para a África Oriental, Zanzibar como primeiro contacto, coincidiu quáse simultaneamente  com a dos Goeses. Por isso as duas Comunidades estiveram unidas em parcearia de negócios ( oficinas  de gelados, lavandarias, alfaiatarias, lojas de retalho, sapatarias etc). As delegações oficiais eram em conjunto. Esta relação de cordialidade   havia de desaparecer  à medida que as duas comunidades cresciam  em número. Os Goeses solidificavam-se na área do serviço público, a comunidade Indiana  na área comercial. Porém  segregaram-se.  Emergiram tres classes distintas demarcadas pela religião , afinidade política e lealdades diferentes : Hindús, Muçulmanos indianos e Goeses cristãos.

Embalada pela preferência que a potência colonizadora  dispensava  e apoiada nas muletas de Portugal ( afinal  os Goeses eram cidadãos portugueses) , a comunidade goesa vivia alienada em relação  ao cenário político  que se ia projetando para Goa. Embora a grande maioria fosse favorável ao ‘status quo’ de então, havia um escol de intelectuais  abertamentre hostil à Goa  como colónia (Eddie Pereira, Pio Gama Pinto, Fritz de Sousa etc.). Neste contexto merece ser conhecida a figura,com ‘low profile’, de J. M. Nazareth. Este viera para Kenya, de Bombaim. Goês, cresceu em Bombaim e formou-se em Direito pela Univarsidade de Bombaim com a classsificaçõa de  ‘first class first’, e medalha de ouro do St. Xavier’s College. Em Kenya  ele esteve um tanto retirado do convívio dos   Goeses e dos eventos  sociais. Era um homem do seu trabalho como jurista , no círculo de poucos que partilhavam as suas ideias. Teve a honra de ser nomeado o  segundo Asiático para o ‘Queen’s Council‘ britânico  e   foi Presidente do ‘Congresso Indiano Queniano’.  Compreende-se que a sua facção   fosse favorável à Goa-India . Mas esta  era contrabalançada   por outra facção  pro-Portuguesa denominada G.O.A. (Goan Overseas Association) chefiada por A. C. L. de Sousa.

Nazareth, autor do  livro  ‘Brown Man, Black Country’,  deixou por escrito estas palavras:  “O Goês em mim recuou muito para trás, e o Indiano projetou-se para a frente. Eu podia  identificar-me só como Indiano porque Goa era uma mancha  desconhecida, quáse invisível,  no vasto mosaico da Índia’.

Ano Feliz 2021

Leopoldo da Rocha

Xilú me contando sua estória – (conto inédito de Maria Elsa da Rocha, ambientado em Damão)

Dezembro 3, 2011

O luar empoalhava indistintamente as porções daquém e dalém de Sandalcalo  (1).  O Forte velho (2) recebia a sua quota parte  do negrume no seu dorso de ameias rotas e torres desmoronadas.. Mas aquele Forte velho não conseguia sorrir àquele morena carícia do luar porque ele (o luar) o fazia mergulhar na saudade do antanho, de deboches e patuscadas : homens barbudos  brincando ao luar com diáfanos trajes de baianas  (3) lindas…

Dizia-se que, uma noite, S. Jerónimo tremera no seu nicho acabando por implorar de

 N. Senhora do Mar (4) vista grossa para aquelas garotadas (5)… Por isso, o Forte de S. Jerónimo em noite de luar se tornava um desenho a crayon  … (6). Aos pés dele o rio semicerrava os olhos ao peso daquele luar farináceo.

Xilú ajeitou o cigarro espraiando o olhar pelo lugarejo inundado de luz. O cabedal do cinturão do Xilú  apertava o corpinho magro e das calças de caqui emergiam pernas esquálidas.  Ena ! Mãe Santiss ! – devaneava  Xilú:  “como  eram moles os lábios de Anica ! Será que toda a mulher tem assim ? Quem sabe!”

Doutro lado do rio Sandalcalo, Xilú distinguiu o escaler e os vultos do Dr. Juiz e do barqueiro Calpá.  Não podiam ser outros. Se o marulhar das águas não fosse tão forte , as vozes deles viriam claras até ele! Hum!…Xilú visualizou mais do que viu :  Calpá  segurando o barquinho com uma mão enquanto estendia a outra para o magistrado se apoiar e fazer-se à terra, tartamudeando saudações em português enquanto o Juiz manobrando um saltinho de menino travesso, punha-se  em terra agradecendo a Calpá em guzerate.

Já farto de perscrutar a outra margem, fez uma reviravolta e virou-se  pela esquerda, quando os seus olhos, aliás  alheados , pousaram sobre um objecto rectangular, escuro sobre o pavimento da esplanada.  Abaixou-se  para apanhar aquilo. Mãe Satiss ! Uma carteira! Carteira de pele de cobra! Mãe Santiss, quem não conhecia aquerla carteira ? Todo o Damão a conhecia! Os dedos toscos de Xilú  passaram com relutância sobre a pele pintalgada. Mãe Satiss! Há por tão lindas carteiras e o Dr. Juiz com essa de pele de cobra! Shi ! Cobra!  Mão larga para dar! Fraco por mulheres ! Santo Deus, quem não era ?! Ele, Xilú, sabia-se lá  o que faria com uma carteira sempre recheada ? Aahn ? Primeiro que tudo não teria que adiar e mais adiar o seu casamento com a rapariga mais bonita de Damão.  O que fora que a sua Anica dissera da última vez? Ah, assim : “Xilú, minh’  vid, pacience tá no fim, hom !”

Nosso casamento nunca mais chegando … Em ouvindo aquilo ele ficara tonto de tristeza, inventando desculpas, entremeando beijos e outras brincadeiras. Depois ele tivera de se afastar dela bruscamente, porque ela era uma labareda e não estava certo … não estava certo!  Apenas correndo levemente seus lábios nicotinados  sobre  a lisa pele do braço dela, Xilú  fizera uma paragem sobre o dedo anelar garantindo:

“Este dedinho vai ter um anel p’ra o mês que vem…”

Nada! A vida era chata ! O que mais doía era a certeza dessa estreiteza. Apre ! – Vá , exame para promoção. A gente fica velha só de pensar  naquilo. Vidinha deles ! (Nós) rasos logo na primeira semana, o ordenado já no fim! Economizar o que ? Mas porquê esperava ele ? Não! Nada! Entregaria a carteira no dia seguinte ao Dr. Juiz.

Não havia dúvida que ele a perdera de caminho a Portas-Fora. Quem havia que não estava ao facto das andanças nocturnas do Dr. Juiz ?  Sorriu ao pensamento íntimo que o fazia (ao Juiz) acamaradar com o resto de homens indistintamente de tal  categoria social.  Apalpou com asco a carteira achada.  Desta vez abriu-a cauteloso. Sempre a andar, preparou o seu espírito para achar na carteira algumas cédulas (notas) e muitas fotografias de mulheres …nuas! Jogou fora a beata dos lábios e parou indeciso. É que tinha na mão uma carteira literalmente cheia ! Na primeira divisão, alguns papelinhos que pareciam recibos dos CTT… Nenhuma foto de mulher núa, uma estampa de Nossa Senhora do Mar . E noutra divisão uma porção de cédulas de mil escudos. Caramba! Uma, duas três, oh muitas! Tanto ganham eles ?! E tudo para espatifar com mulheres … Na sua mente surgiu, sem ele a evocar, a figura do Dr. Juiz escondido atrás da grade  do terraço da sua residência, aguardando pacientemente as moças que iam para o bazar, espreitando-as através dos rendilhados da grade. –Psichut… pschchut … E Violante, uma garota, prima da Anica, vindo a correr com a sua mão sobre o seu jovem busto pujante:

– Xilú, Xilú! …

– Que há, Violante ?

– Xilú, aquele peste do Dr. Juiz … chamando gente, mostrando notas de dinheiro… Ele o que julga, ahn ?!

De facto o Dr. Juiz era uma boa pessoa, mas aquele assédio às moças da sua terra deixavam  Xilú em suspense… E se um dia ele lhe põe os olhos na sua Anica ? Oh, nunca!  Xilú vivia há quase um ano preso a um sonho ! Martirizado por um amor que tinha a frescura e pujança do rebentar de plântulas nos prenúncios da monção.  Mãe Santiss!  O Juiz seduzir Anica ? Oh! Nunca!… Jogou fora esse pressentimento, mas ele ficou na mesma pesando no seu coração como um coágulo violáceo… Sempre caminhando chegou ao posto fronteiriço, à casa da Dona Bulina. Safa! Uma carteira com tantas cédulas de mil escudos e a sua Anica precisando só de uma para os arranjos do enxoval! E ele não podendo arranjar essa miséria ! Sempre arranjando ‘mantras’ :

 – Oh, sabe ?  Anica meu bem, a gente investe nos seguros da vida, É pra o nosso futuro…

Que vergonha !  e estendia-se num lençol.

O luar continuava namorando o Sandalcalo que, felinamente, se torna prateado. Danada noite!  Tão bonita que até se escutava a sua voz no  espraiar das águas em cadência do embalo : árias que os búzios da praia de Beuca  iriam gravar. Bonita noite!,  (tão) clara que deixava ver  os peitoris das janelas da Dona Bulina. Mais além , a ponte desmoronada com um pedaço a faltar … Eh, podia bem ser o retrato da alma do pracinha pedindo um remendo ao Destino… Ao longe, o Hotel Brighton e o cajuari solitário elevando ao céu as suas palmas como braços humanos implorando…

Sexta feira : mais uma noite e lá  viria a leva de bebedolas de Bombaim,  Mãe Santiss, mascando areca , rindo por tudo e nada  na euforia das aguardentes que ingeriam … Tudo engolindo indistintamente: whisky, brandy, Macieira …

– Ena! O velho era capaz de sair à rua em uma noite assim ? Quem poderia ficar dormindo na cama ? Diabo carregue com ele,  (e ) com  o tenente Catanas, maluco varrido, descarregando suas frustrações em humildes como ele, Xilú… :

– Ó oito! Isso é ronda ?  Põe-te a andar, pateta!…

Continuou andando com a carteira do Juiz na mão. Agora na casa de D. Bulina ouvia-se o piano. Continuou patrulhando rumo à horta de Mukerji. Rondas não se fazem parando, embora aquele luar lhe perturbasse a cabeça abrindo mil oportunidades com os dinheiros do Juiz… Tudo silencioso, nem sequer o barulho da Central Eléctrica ! Só o cão do Dr. Naik ladrando como um estafermo. As botas do Xilú no asfalto da Estrada buliam com a noite, aliás empenhada em receber calada a avalanche da Luz …

Quando pequenino ele ia ao balcão do Manekeji brincar com os netinhos. As janelas da Mafaldinha pareciam pestanejar, não podendo aguentar com o luar. Em casa da Mafaldinha ouvia-se o piano também.

Xilú daria a carteira lá pelas onze horas quando o magistrado estivesse de caminho ao Tribunal. Não era conveniente abordá-lo assim a pequenas horas quando ele regressava das suas noitadas …

Sempre com o pensamento na sua Anica, acabou por abrir outra vez a carteira de pele de cobra …

Mole, de amor, puxou de uma cédula de mil escudos, nova, limpinha, pô-la de encontro ao poste eléctrico e, sacando da sua esferográfica desenhou a um canto dois corações atravessados por uma seta rubra … Coração dele e da Anica, a rapariga mais bonita de Damão, de anquinhas redondas e busto rijo. Pô-la de nova na carteira.

Noutro dia:

– Doutor V. Exciª teria perdido esta carteira ?

– Moço, mas isto é inacreditável !   Não pergunto onde a achaste … Olha! Toma lá isto …(retirando de uma das algibeiras das suas famosas calças  a Príncipe de Gales, uma cédula de mil escudos).

Estendia-a para Xilú sorrindo. Xilú estava tentado a aceitar. O que havia ? Enxoval …  Anica!   (Irra! Ele era na verdade fidalgo, nem abrira a carteira para acertar no conteúdo!)

 Ouviu a sua própria voz… Não doutor, não posso aceitar.

– Não se importe, Dr. Juiz…   Ás ordens!

Despediu-se do meritíssimo com uma continência militar e um sorriso de missionário…

À tarde:

 Botas reluzentes e farda engomadinha entraram na cozinha de Anica. Ele, Xilú, não tivera tempo para as primeiras brincadeiras… Anica, eufórica, forçara o cerco dos seus braços e correndo para o quarto de dormir viera para Xilú estendendo-lhe sorridente uma nota de mil escudos, novinha, novinha, com um desenho de dois corações a um cantinho:

– Tome, home, pra comprar nossa roupa… Que havia ?

– Não, nada !

Aquela cédula do Juiz aí, nas mãos da sua Anica ?

Algo precioso, frágil e delicado na alma do pracinha, se partia naquele momento … Não podia pensar. Jesus! De um momento para outro ele era um farrapo humano… Levando as mãos à cabeça , articulou:

– Ai a minha cabeça! – E largou a correr deixando Anica perplexa, com a cédula de mil escudos na mão!

Não se lembrava como fizera a travessia.

A tarde punha cortinas de oiro no Golfo de Cambaia, tingindo o horizonte de profusos tons de oiro de açafrão. Xilú não queria sofrer, mas a dor era persistente. Ela vinha da mão da Anica com a cédula de mil escudos … Ela andara enganar Xilú só por causa de umas rendas … (7)  Ai a vida! Iria até a ponte partida e seus pés autómatos, em vez da ponte, dirigiram-se à praia…

Calpá  estava aí trabalhando no seu escaler. Calpá saudou-o:

– Sabe ? Isto não está bem. Tem um rombo. Por isso fi-lo à praia. Agora é tarde! Não se pode arranjar … fica para amanhã. Na água é que ele não pode ir!

Afastara-se pela esplanada para o bairro deles,  dos  maxins . Xilú, cor  atono  (sic)  assentou-se na borda da proa do escaler, indiferente, mole, um tanto tocado pela sumptuosidade desse ocaso no Indico …

Aos poucos os muros da praça na outra banda do rio cobriram-se de uma mortalha e Xilú ouviu ragas sem fim da bicharada nos silvedos … Quanto tempo Xilú ficou aí ? Nem ele sabia. Uma voz conhecida (ouviu-se) muito perto dele:

– Calpá! Onde andas ? Depressa, pá, leva-me a outra banda … Que sorna me saíste, Calpá!

Xilú pusera-se de pé. Ele, o Juiz, ele em pessoa, aí estava em carne e osso! Esse comedor de donzelas de Damão, esse depravador, estragador da sua felicidade. Porquê esperava ? Porquê não seguira ao rio ?. Para mais o rio (não)   estava caudaloso … Porquê esperava ?  ‘Tome home para comprar nossa roupa’ (8)

O Juiz aproximara-se.

– Ahn, és tu moço ? O Calpá é um maricas. Garanto que teve medo do vento. É , temos tempestade!  Moço, ajuda-me a pôr isto na água e o resto faço eu …

Xilú devia dizer do rombo ?

– O mãi, nunca! Não sou home para…

Empurrou o barco para o rio. O Juiz saltou para ele, depois pegando no remo e espetando-o na margem, como tanta vez já vira fazer, deu impulso ao escaler que deslizou na água .Xilú estranhamente aliviado, não reparou no furacão que varria a praia de Nani-Daman. Quase que não podia ter-se em pé , tal era o vendaval. Já um tanto encharcado alcançou a estrada. No hotel do Francisco estavam os bebedolas divertindo-se. Um vendaval insano varria Damão-Pequeno. Xilú fustigou o passo.

-Deus não dorme!

Deus ia fazer justiça! O escaler levaria ao fundo quem não merecia estar à face da terra!

Como passou a noite ? Nem ele saberia dizer. Contrariamente à sua expectativa, aquela noite, absolutamente tempestuosa, com relâmpagos, trovoada e chuva, o Sandalcalo inchado no seu dorso, fazendo correr uma água terrosa com toros de madeira e cocos vãos, o Sandalcalo furioso, trouxe calma ao coração ferido do pracinha:

– O rio , ele está engolindo aquele viciado…

Na manha seguinte:

– Xilú! A Senhora quer falar consigo – berrou o ordenança do Palácio.

– Mãi Satiss !  A esposa do Governador!  Ia dizer o que toda a gente sabia, menos ele … Que parvo! Tanto tempo no engano! Nunca mais queria saber dela, desgraçada, prostituta!…

Subiu a escadaria do Palácio não sabendo por que os tijolos levitavam  em planos diferentes. Cumprimentou Dona Maria com uma continência militar e ficou  estático , imune à provocação exterior : sua mente visualizava calças a Príncipe de Gales boiando com cocos vãos na praia de Deuca…

– Olhe, moço, você está noivo daquela rapariga Anica que nos ajuda na costura, não é ?  Ora bem! Nós abrimos um fundo para ajudar moças noivas. Já demos à sua noiva mil escudos, porém se achar que é pouco, é dizer lá na secretaria , ouviu ?

Xilú fazia girar o bivaque entre os dedos e seus lábios recusavam palavras. A Senhora continuava:

– O Dr. Juiz é quem cotizou mais :  trinta contos limpinhos.

O enorme xadrez do lajeado do Palácio formava uma belicosa parada militar e as biqueiras polidas dos sapatinhos da Senhora Dona Maria João seriam canhoneiras, apontadas para o seu magro peito. Ele percebera direito ?….. Ahn, ele percebera direito ?

Outra vez, Dona Maria João:

– Está ouvindo, moço ? O senhor Governador quer a viatura às doze em vez das nove … O Dr. Juiz passou cá a noite, veio encharcado que nem uma esponja; imagine aventurou-se a fazer a travessia sozinho sem o homem do escaler …

Xilú tinha ouvido direito ? Tudo certo ? Ahn ? Ouviu sua própria voz:

– Às ordens,  Minha Senhora!…

Uma manhã esplendorosa nascera no coração do pracinha.

Aldonã, 19/9/1986

Nota: Texto   recuperado   pelo académico Paul de Melo e Castro  (Univ. de Leeds). Fixação do texto por LR.

                               ……………………………………………………………………….                        

(1) – Rio que separa Damão Grande do Damão Pequeno.

(2) –Forte de S. Jerónimo (1614).

(3)- Mulheres pertencentes provavelmente  à  casta dos Banianes.

(4)- A igreja assim denominada fica situada dentro do Forte

(5) – Passar por cima de, desculpar aquelas boémias.

(6) – Foram omitidos dois termos ilegíveis.

(7) – Anicas ganhava uns dinheiritos  ajudando na costura as Senhoras do Palácio. – ler  adiante no texto.

(8)- Xilú ficou transtornado com a súbito aparecimento do Dr. Juiz, recordou-se  das palavras que Anicas proferira.