Nesta era de globalização, uma chamada de atenção para o pioneirismo de um pequeno país , periférico na Europa, que deu a conhecer outros mundos, pode parecer saudosismo anacrónico ou ‘démodée’. Mas tenho para mim que, limitações aparte, no que toca a relações humanas, com gentes doutras raças, Portugal soma pontos em confronto com outros colonizadores, quando exteriorizou o seu calor humano e amizade generosa , o que nada tem a ver com paternalismo. Não são estatísticas ou árida documentão histórica que trazem estas virtudes à luz mas anódinos episódios ocorridos no trato social c do passado. Elsa Rocha retrata esta faceta belamente no conto ‘Xilú.. . ‘ que a seguir vai reproduzido. Deve-se ao investigador e académico Paul de Melo e Castro a recuperação deste conto de Elsa. Ele enviara-me o texto por ele corrigido, pois estava mal copiado, apontando-me expressões que levantavam dúvidas. Note-se que Elsa escreveu este conto em 1986. Portanto cerca de 25 anos após a anexação de Goa quando não existia órgão algum em língua portuguesa de imprensa para a sua publicação. Provavelmente Elsa tê-lo-ia escrito para uma colectânea que ela sempre tivera em vista. O conto que apresento baseia-se no texto que tornei a enviar ao dito académico depois de o submeter a ulterior ‘editing’ que achei necessário. Também vai anotado .
Portugal universal , perdurante, está encoberto na figura do Dr. Juiz em Damão que Elsa recriou inspirando-se talvez num que ela conhecera em Damão. Ele é quem ‘se fazia acamaradar com o resto de homens indistintamente da categoria social…’; ele é o homem que na travessia do rio Sandalkalo agradece em gujerati a Kalpá, canoeiro, ‘que tartamudeia saudações em português’; ‘ele era fidalgo, nem abrira a carteira (perdida e entregue) para acertar o conteúdo’; ele tinha ‘fraco por mulheres’.
Está, depois, a língua moldada pelo povo local damanense. Com a sua virtude de ductilidade e maleabilidade, o português havia ganho um estatuto de dialecto típico, superior linguisticamente ao linguajar de Goa. ELSA não se espraia em focar este aspecto. Há apenas o registo de umas poucas expressões sugestivas: ‘mãe santiss’; ‘Xilú, minh’vid, pacience tá no fim, hom!’ etc.. Recordo aqui a propósito, que ELSA mostrara-me depois que regressara de Damão para Goa, um caderno dela onde um ilustre damanense , com raízes genealógicas goesas, escrevera um texto sobre um incidente de uma cobra-de-capêlo, narrado pela boca de uma mulher damanense no seu dialecto típico. Era um texto antológico ímpar. O seu autor, se a memória não me falha, era o Dr. António de Mascarenhas. A cobra anda associada no imaginário cristão damanense a um totem que causa pavor e perigo maléfico . Atente-se nas reacções que suscita a carteira do Dr. Juiz que Xilú encontra caída no pavimento da Praça e ironicamente era feita com a pele de cobra !
– Mãe Santiss! Uma carteira! Carteira de pele de cobra!
– Mãe Santiss, quem não conhecia aquela carteira ! Todo o Damão a conhecia!
– Os dedos toscos de Xilú passaram com relutância sobre a pele pintalgada…
– Apalpou com asco a carteira achada…
– Há por aí tão lindas carteiras e o Dr. Juiz com essa de pele de cobra!
Xilú, o guarda (‘pracinha’), tem um grande amor pela sua Anica, a moça mais linda de Damão. O casamento vai-se adiando porque Xilú não tem dinheiro que chegue. A carteira recheada de dinheiro que Xilú encontrou, é uma grande tentação. Será que a pele de cobra vai mostrar o seu poder maléfico ?
Este conto de Elsa Rocha começa e avança numa toada de amargura, de pessimismo, melancolia, de uma branda revolta de Xilú à ‘porca da vida’ que a uns dá em abundância e a outros só côdeas de pão, deixando o pobre insatisfeito , sem esperança e alento para o futuro. Mas, às duas por três, inesperadamente , no fim, ao estilo dos famosos contos de O. Henry (que Elsa nunca leu), surge o imprevisto : uma estrela que ilumina o caminho de Xilú para um final feliz
Por isso , e porque o Natal está próximo, , é meu desejo brindar com esse conto de Elsa o meu leitor. É para a quadra natalícia que aí vem , se Deus quiser, como diz o bom povo português .
Leopoldo da Rocha
Dezembro 14, 2011 às 4:41 pm |
Sónia!
O livro da minha irmã Elsa e tua tia,só o tive em mãos em Nov. de 2007 e ele já fora publicado em 2005. Foi o meu amigo Mário Viegas quem gentilmente mo ofereceu. Anos depois, não sei quando exactamente, de momento, deu-me para reler o livro e aprecia-lo. Foi assim derepente. O resultado foi o meu ‘post’: Leitura do livro etc. que veio também publicado na bela revista dos Goeses ‘Ecos do Oriente’. Coincidência – e juro que é verdade! – no mesmo dia era feita uma palestra no XRHI de Goa pelo Académico Paul Melo e Castro (Univ. de Leeds) sobre três contistas de Goa: Vimala Devi, Epitácio Pais e Elsa Rocha. Talvez esta palestra do Dr. Melo e Castro despertou o meu interesse em mostrar o real valor da tecnica narrativa e prosa da tua tia,até em confronto com a nossa prima Vimala muito badalada, enquanto Elsa estava totalmente esquecida.
Não houve outras intenções, acredita-me. Tira os macaquinhos da tua cabeça.
‘Dominus tecum’ (Deus esteja contigo)
Tio Datuco